Rejeitados os argumentos sobre a dívida da COPASA em decisão final

Tratam-se os autos de Processo Administrativo nº 008/2021 em face da empresa Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA, nos termos da Portaria nº 387/2021 e da Lei Federal nº9.784/99.
Após a decisão de primeiro grau, a empresa Ré foi devidamente intimada e apresentou Recurso Administrativo em 20 de outubro de 2021. Em sede de Recurso a COPASA requereu:
a) O recebimento, processamento e julgamento do recurso administrativo;
b) O acolhimento da prejudicial de mérito, para reconhecer a decadência do direito ao exercício da autotutela e restabelecer o parcelamento;
c) Superada a decadência, sejam acolhidas as razões para reconhecer a existência, validade e eficácia do débito regularmente constituído no Termo de Acerto de Contas nº 11.1807.
Diante do breve relato, decido.
I – DA ANÁLISE DOS PEDIDOS
I.I – DA AUSÊNCIA DE DECADÊNCIA – INFRINGÊNCIA DIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Com relação à arguição de decadência, não há que se falar na aplicação do referido instituto, principalmente porque, diferente do alegado pela empresa Recorrente, os vícios existentes ofendem
diretamente à Constituição Federal, em seu Título VI, Capítulo II, que trata das Finanças Públicas.
Inicialmente, cito o artigo 7º, §§ 2º e 3º da Lei Federal nº 4.320 de 1964, que dispõem:
§ 2° O produto estimado de operações de crédito e de alienação de bens imóveis somente se incluirá na receita quando umas e outras forem especìficamente autorizadas pelo Poder Legislativo em forma que jurìdicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-las no exercício.
§ 3º A autorização legislativa a que se refere o parágrafo anterior, no tocante a operações de crédito, poderá constar da própria Lei de Orçamento.
Em seguida, aponto os artigos da Lei Complementar n° 101/2000, (Lei Complementar que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II, do Título VI, da Constituição Federal), in verbis: Art. 29. Omissis.
§ 1º Equipara-se a operação de crédito a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívidas pelo ente da Federação, sem prejuízo do cumprimento das exigências dos arts. 15 e 16.
O texto da Lei de Responsabilidade Fiscal é direto e objetivo no sentido de equiparar a operação de crédito ao reconhecimento de dívida pelo Município.
Neste sentido, a autorização legislativa não é facultativa, mas medida obrigatória. No caso em tela, em se tratando de descumprimento de preceitos de lei complementar, fere-se a própria Carta Magna no Capítulo que trata das Finanças Públicas, pois naquela estão descritos todos os requisitos formais para que o ato jurídico seja eficaz.
Dessa forma, a aplicação do princípio da Autotutela é medida de direito e de rigor, a ser tomara a qualquer tempo, para regularização de atos administrativos realizados em total desconformidade com os ditamos constitucionais.
I.II – DA NECESSIDADE DE LEI AUTORIZATIVA PARA REALIZAÇÃO DOS PARCELAMENTOS.
Conforme já demonstrando acima, o artigo 7º, §§ 2º e 3º da Lei Federal nº 4.320 de 1964, dispõe:
§ 2° O produto estimado de operações de crédito e de alienação de bens imóveis somente se incluirá na receita quando umas e outras forem especìficamente autorizadas pelo Poder Legislativo em forma que jurìdicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-las no exercício.
§ 3º A autorização legislativa a que se refere o parágrafo anterior, no tocante a operações de crédito, poderá constar da própria Lei de Orçamento. Já o artigo 29 da Lei Complementar
n° 101/2000, dispõe: Art. 29. Omissis.
§ 1º Equipara-se a operação de crédito a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívidas pelo ente da Federação, sem prejuízo do cumprimento das exigências dos arts. 15 e 16.
Em resumo, o texto da Lei de Responsabilidade Fiscal é direto e objetivo no sentido de equiparar a operação de crédito ao reconhecimento de dívida pelo Município. Neste sentido, a autorização legislativa não é facultativa, mas medida obrigatória.
Incontinenti, os artigos 15 e 16 da LRF dispõem que: Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.
Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
Neste sentido, concluo, acompanhando o parecer jurídico exarado às fls. 49/54, que para que ocorra assunção, reconhecimento ou confissão de dívida pelo ente público, sem irregularidade ou lesão ao patrimônio público, é essencial que a operação de crédito esteja composta dos seguintes elementos:
1. Lei autorizativa;
2. Estimativa de impacto orçamentário-financeiro;
3. Adequação orçamentária e financeira à lei orçamentária anual;
4. Compatibilidade com o PPA e LDO.
A legislação é clara no sentido da obrigatoriedade de lei autorizativa, não havendo o que se falar em independência de poderes quando se trata de aprovação de operação de crédito.
A Recorrente argumenta que é inconstitucional lei municipal que exige prévia autorização legislativa para a celebração de convênios e contratos com o Executivo. Não é o caso!
O objeto deste processo não se trata de contratação ou celebração de convênios, mas de operação de crédito para parcelamento de suposta dívida, o qual não foi precedido de processo administrativo de reconhecimento de dívida, não foram juntados documentos probatórios da origem da mesma, tão pouco houve chancela do legislativo, o que torna os atos realizados após a aprovação da primeira lei, em 2005, nulos de pleno direito, devendo a administração, através da aplicação da autotutela assumir a responsabilidade, apurar a real dívida, munir-se de documentos probatórios e realizar o parcelamento de eventual dívida, se houver, cumprindo os requisitos legais.
Fica rechaçado o argumento de desnecessidade de lei autorizativa.
I.III – DA NECESSIDADE DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA PARA REALIZAÇÃO DOS PAGAMENTOS E DA ILEGALIDADE DO PARCELAMENTO.
Em sede de Recurso Administrativo, aduziu a empresa processada que não há necessidade de Dotação Orçamentária, considerando que se trataria de pagamentos por serviços eventualmente prestados.
Primeiramente não há que se falar de desnecessidade de dotação orçamentária, respeitando os ditames constitucionais e aqueles previstos nos artigos e 15 e 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ademais, as pesquisas jurisprudenciais juntadas pela empresa processada dão conta de empresas recebedoras por serviços prestados, com devida comprovação do referido serviço, o que difere do objeto do processo em tela, que se trata de suposta dívida, cujo lastro probatório não acompanha as cobranças, além da existência de “Termos de Acertos de Contas” realizados sem a devida autorização legislativa e sem dotação orçamentária específica.
Tratando-se de Operação de Crédito, além de autorização legislativa, a existência de dotação orçamentária para empenho e pagamento é requisito necessário para sua validade, razão pela qual afasto a tese trazida pela Recorrente.
I.IV – DA NULIDADE/ILEGALIDADE DO TERMO DE ACERTO DE CONTAS Nº 11.1807
Alega a Recorrente que o Termo de Acerto de Contas nº 11.1807 teve por objeto o saldo de dois supostos Termos de Acerto de Contas e de débitos acumulados nos períodos de 2008 a 2009. Afirmam que o referido Termo de Acerto de Contas é título executivo extrajudicial e que goza de presunção de validade.
Diferente do Direito Civil, no qual a Recorrente aprofunda seus argumentos, o Direito Administrativo define que o gestor só pode fazer aquilo que a lei permite, e que eventual descumprimento deste preceito básico é passível de caracterização de improbidade administrativa, bem como de crimes contra a Administração Pública.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “No Direito Civil, são as seguintes as diferenças entre a nulidade absoluta e a relativa, no que diz respeito a suas consequências:
1. Na nulidade absoluta, o vício não pode ser sanado; na nulidade relativa, pode;
2. A nulidade absoluta pode ser decretada pelo juiz, de ofício ou mediante provocação do interessado ou do Ministério Público (art. 168 do CC); a nulidade relativa só pode ser decretada se provada pela parte interessada. No Direito Administrativo, essa segunda distinção não existe, porque, dispondo a Administração do poder de Autotutela, não pode ficar dependendo de provocação do interessado para decretar a nulidade, seja absoluta ou relativa.
Isto porque não pode o interesse individual do administrado prevalecer sobre o interesse público na preservação da legalidade administrativa”
1. Nestes termos, ao receber a cobrança da dívida pela copasa em 04 de junho de 2021 (fls. 05), onde, além de suposto parcelamento de dívida realizado há 10 (dez) anos, ainda haviam débitos vencidos até 09 de junho de 2021, sem qualquer comprovação da existência da dívida aqui discutida, não houve outra opção senão instaurar procedimento administrativo para apurar a origem da suposta dívida.
Não é crível que um Gestor Público realize um parcelamento de débito de valor exorbitante como o cobrado pela empresa Recorrente sem antes entender a sua origem, juntar ao Termo de Acerto de Contas os documentos necessários a comprovar tal dívida, e verificar a legalidade do procedimento realizado para pagamento até então, bem como obter a autorização legislativa.
As provas juntadas no presente processo demonstraram total desrespeito ao direito público, bem como possibilidade de prejuízo ao erário, eis que desrespeitam aos ditames constitucionais e a legislação infraconstitucional que trata da Responsabilidade Fiscal.
Incontinenti, se o Município de Cataguases deve valores à COPASA, onde está o lastro probatório? Por várias vezes a empresa foi notificada a comprovar o débito, bem como os juros embutidos nos parcelamentos, tendo a mesma resumido os fatos a uma simples petição acompanhada de uma planilha que não possui qualquer validade jurídica.
Destaco ainda, que a empresa juntou documentos novos no processo administrativo (fls. 89 a 98) apenas em sede Recursal, esquivando de apresentar os mesmos no conjunto do processo administrativo para análise da Comissão Processante. Tais documentos estão sendo recebidos e analisados no conjunto processual, respeitando, mesmo que precluso o prazo para juntada, os princípios do contraditório e ampla defesa da Recorrente.
Mas, embora juntadas provas novas, reitero que são nulos de pleno direito os termos de acerto de contas realizados sem os seguintes requisitos: Lei autorizativa; Estimativa de impacto orçamentário-financeiro; Adequação orçamentária e financeira à lei orçamentária anual; e, Compatibilidade com o PPA e LDO.
O descumprimento destes requisitos traz nulidade ao ato administrativo realizado, razão pela qual a comprovação de existência do débito no presente processo seria medida de rigor para reconhecimento de eventual dívida com a empresa Recorrente.
Eis que não há comprovação! Mesmo sento intimada por duas vezes, a empresa Recorrente se esquivou de comprovar o suposto débito cobrado, e juntou apenas documentos que não tem qualquer validade jurídica.
Para Hely Lopes Meirelles (2003:169/170), não existem atos administrativos anuláveis, “pela impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre atos ilegais, ainda que assim o desejem as partes, porque a isto se opõe a exigência de legalidade administrativa. Daí a impossibilidade jurídica de convalidar-se o ato considerado anulável que não passa de um ato originariamente nulo”
2. O Município pode reconhecer, conforme já demonstrado e reconhecido pela Comissão Processante, apenas a dívida de R$ 709.914,40 (setecentos e nove reais, novecentos e quatorze mil e quarenta centavos), reconhecida através da lei n° 3.433/2005, sancionada pelo saudoso Prefeito Tarcísio Henriques. Por outro lado, embora a empresa Recorrente cite que o Município é devedor contumaz, não juntou aos autos nenhuma cópia de fatura em aberto, tão pouco lastro probatório dos Ajustes realizados após a lei acima citada.
Ademais, em momento algum, em sua defesa administrativa, a Recorrente fez menção dos valores já quitados pelo Município de Cataguases a título de pagamento da referida dívida, realizando assim abatimento no suposto saldo devedor no valor de R$ 2.248.215,00 (dois milhões, duzentos e quarenta e oito mil, e duzentos e quinze reais).
Não havendo comprovação de existência de dívida, a declaração de sua inexistência é medida que se impõe, sob pena de trazer prejuízos aos cofres públicos municipais. É o quanto basta a refutar excêntrica tese do Recorrente.
II – DA CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, mantenho a decisão de fls. 67/70, na íntegra, pelas razões já exaustivamente expostas, para:
a) Rejeitar os argumentos do Recorrente;
b) Declarar a INEXISTÊNCIA do débito de R$ 1.670.106,36 (um milhão, seiscentos e setenta mil, cento e seis reais e trinta e seis centavos), considerando que eventual pagamento de dívida sem autorização legislativa, sem estimativa de impacto orçamentário-financeiro, e sem a existência de dotação orçamentária específica causará graves prejuízo aos cofres públicos; e,
c) Determinar a notificação da empresa da presente decisão.
Publique-se a presente Decisão, no Jornal Cataguases e no Portal da Transparência da Prefeitura de Cataguases.
Fonte: Jornal Cataguases 07nov21