CÂMARA EXAMINA AUTORIZAÇÃO PARA ENCANCIPAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO DE CATAGUASES

“PARECER DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E REDAÇÃO REJEITADO”: RELATÓRIO Nº /2022 – Da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, sobre o Recurso Administrativo 001/2022/GPC apresentado pelo Poder Executivo, referente ao Projeto de Lei nº. 29/2022, de autoria do Poder Executivo – I – Da Matéria em Exame: O presente Parecer tem por objeto o Recurso Administrativo 001/2022/GPC apresentado pelo Poder Executivo, referente ao Projeto de Lei nº. 29/2022, de autoria do Poder Executivo, que dispõe sobre a autorização legislativa para a encampação dos serviços de saneamento básico de Cataguases e dá outras providências. II) Da Fundamentação: Trata-se de Recurso Administrativo que visa reformar o Parecer Jurídico opinativo apresentado pelo Procurador-Geral da Câmara de Vereadores de Cataguases, cujo entendimento foi no sentido de que o supramencionado projeto de lei não poderia tramitar nesta Casa Legislativa por conta das “várias ações tendo como partes Município de Cataguases X Copasa, inclusive requerendo o cancelamento do contrato que ainda encontra-se sem decisão, ou seja, nenhuma das ações em trâmite foi sentenciada procedente ou improcedente, estando as mesmas ‘sub judice’”. Conforme exposto na peça recursal apresentada, o entendimento do Poder Executivo, referente à proposição cerne desta discussão, é dissonante. Nos termos da argumentação apresentada pelo Poder Executivo, em sede do Recurso Administrativo 001/2022/GPC, o objeto do Projeto de Lei nº. 29/2022, de sua autoria, é a própria encampação propriamente dita, não sendo esta fruto de qualquer litígio em trâmite no Poder Judiciário. Vejamos: “Não obstante as 03 (três) matérias sub judice, é fato que o direito a encampação dos serviços de saneamento básico pela Administração Pública nunca foi judicialmente intentado pelo Poder Executivo, haja vista se tratar de direito previsto na própria lei de concessões […].” Diante da presente contraposição entre a tese apresentada pela Procuradoria-Geral da Câmara de Vereadores, a qual embasou a decisão do Excelentíssimo Presidente desta Casa Legislativa de devolução da proposição, nos termos do art. 175, §2º. do Regimento Interno, e a tese apresentada pelo Poder Executivo, na pessoa do Excelentíssimo Prefeito Municipal, esta Comissão debruçou-se sobre os elementos de legalidade e constitucionalidade consubstanciados no texto do Projeto de Lei nº. 29/2022, de autoria do Poder Executivo. Para tal, nos atentamos aos seguintes pontos fundamentais: Se o eventual processo de encampação gera reflexos nos processos judiciais em trâmite entre o Município de Cataguases e a Copasa; Se o instituto da encampação é o adequado diante da justificativa apresentada juntamente ao Projeto de Lei, vez que seu fundamento é a estrita observância do interesse público. Faz-se imprescindível ressaltar que a encampação decorre da avaliação do Poder Concedente de que o interesse público será melhor atendido com outra solução que não a continuidade do contrato de concessão já celebrado. O Poder Concedente decide retomar o serviço para prestá-lo diretamente ou para promover outra outorga, com características diversas do contrato então vigente. A motivação da encampação não se relaciona com eventuais falhas do concessionário no cumprimento dos seus deveres. Pelo contrário, pode-se dizer que a encampação pressupõe que o contrato esteja sendo devidamente cumprido. Se não houvesse a execução satisfatória do objeto do contrato, a forma de extinção a ser cogitada seria a caducidade. Cabe ressalvar que a encampação apenas pode ser utilizada em situações excepcionais. Por implicar a rescisão antecipada de um contrato e atingir direitos do particular, a encampação apenas poderá ser utilizada se a extinção antecipada do contrato for imprescindível para assegurar a persecução do interesse público. Se for possível promoverem-se alterações no contrato de concessão, caracterizado justamente pela mutabilidade, para propiciar o atendimento ao interesse público, esta deverá ser a solução a ser adotada. Daí dizer-se que, se a encampação for seguida de nova delegação, esta deve se apresentar verdadeiramente como uma “concessão diferente”, no sentido de que as modificações implementadas não poderiam ter sido realizadas no contrato já existente, dentro dos limites permitidos pelo ius variandi. No caso em tela, é fato que, ao justificar a apresentação do Projeto de Lei nº. 29/2022, o Poder Executivo levou em consideração o Processo Administrativo nº. 004/2021, que declarou nulo o contrato de concessão vigente entre o Município de Cataguases e a Copasa, ademais, se baseou também na precariedade do serviço prestado pela empresa mencionada. Diante dos elementos acima consubstanciados, conclui-se que o processo de encampação do serviço público de saneamento básico, hoje ofertado através da Copasa, geraria inevitáveis reflexos a eventuais resultados jurídicos obtidos através dos processos judiciais hoje em trâmite. É fato que, embora o objeto do Projeto de Lei nº. 29/2022, de autoria do Poder Executivo, verse sobre a encampação propriamente dita, não é possível realizar análise dissociada em relação aos litígios hoje sub judice. No Recurso Administrativo 001/2022/GPC, afirma o Poder Executivo que a encampação que se pretende fazer “não foi judicializada e, consequentemente, não se encontra sub judice”. Ora, sabidamente, é fato que a encampação que se pretende fazer não se encontra judicializada, e nem poderia, vez que somente agora é que se apresenta a proposição, que depende, conforme dispõe a legislação pátria, de expressa autorização legislativa. Notoriamente, a encampação propriamente dita não se encontra sub judice, o que seria impossível, vez que ainda não foi objeto de apreciação por esta Casa Legislativa. Porém, a análise deve ser feita de maneira mais ampla, vez que os eventuais resultados de um processo de encampação gerariam reflexos práticos nos processos judiciais em trâmite no Poder Judiciário. Por todo o exposto, não resta dúvida de que o Excelentíssimo Presidente da Câmara Municipal de Cataguases observou corretamente o art. 175, §2º do Regimento Interno desta Casa. Vejamos: Art. 175. A Câmara Municipal exerce sua função legislativa por meio de: […] §2º – Vedada a apresentação de proposições de matérias que se encontrem sub judice. Na própria peça de justificativa que acompanha o Projeto de Lei nº. 29/2022, de autoria do Poder Executivo, apresenta-se como elemento ensejador da proposição a forma precária em que o serviço de fornecimento de água é ofertado no Município. Ou seja, a matéria ensejadora da apresentação do Projeto de Lei encontra-se sub judice, quais sejam, as eventuais violações cometidas pela Copasa quando da prestação do serviço de saneamento básico municipal. Ademais, importante salientar que o Poder Executivo busca recorrer ao instituto da encampação, adotado única e exclusivamente para atender ao interesse público. No entanto, ao justificar a decisão de recorrer à encampação, o Poder Executivo traz como elementos o Processo Administrativo nº. 004/2021, que declarou nulo o contrato vigente entre Município de Cataguases e Copasa, além da má prestação do serviço de fornecimento de água na cidade, ou seja, debruça-se sobre potenciais violações cometidas pela empresa estatal. Portanto, o instituto a se socorrer neste caso seria o da caducidade, utilizado como remédio legal quando da ocorrência de eventuais falhas do concessionário no cumprimento dos seus deveres. Registra-se, ainda, que o Projeto de Lei apresentado deveria observar a avaliação da conveniência da encampação, considerando necessariamente os custos econômicos e sociais envolvidos. Porém, a proposição não vem acompanhada de nenhum estudo ou levantamento que faça referência a este requisito imprescindível, embora conste a afirmação de que “a opção pela encampação se justifica pela sua intrínseca capacidade de realização de investimentos necessários para a prestação do serviço de água e esgoto nos termos da legislação pertinente”. Por todo o exposto, conclui-se que o Presidente da Câmara Municipal de Cataguases tomou a sua decisão em consonância ao disposto pelo art. 175, §2º do Regimento Interno, tendo optado pela devolução do Projeto de Lei nº. 29/2022, de autoria do Poder Executivo, por se tratar de matéria que ainda se encontra sub judice, isto é, ainda pendente de decisão judicial. Conclusão: Desta feita, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação, pautada nos preceitos legais e constitucionais dispostos no ordenamento jurídico pátrio, conclui que o presente Recurso Administrativo deve ser julgado IMPROCEDENTE, vez que o Projeto de Lei nº 29/2022, de autoria do Poder Executivo, versa sobre matéria pendente de análise do Poder Judiciário, ou seja, sub judice, fato este impeditivo para sua apresentação, nos exatos termos do art. 175, §2º do Regimento Interno desta Egrégia Casa Legislativa. É o parecer. Cataguases, 06 de setembro de 2022. Vereadora Stéfany Carli Oliveira – Presidenta/Relatora, Vereador Vinicius Machado – Membro, Vereador Rafael Rodrigues Moreira – Membro. Usou da palavra o Prefeito Municipal, Senhor José Henriques que explanou sobre o Recurso. Em seguida os Vereadores também usaram da palavra. O Presidente colocou em votação o parecer que obteve a seguinte votação: Votaram favoráveis ao parecer os Vereadores: Stéfany Carli de Oliveira, Rafael Moreira, Vinicius Machado e Gilberto Marques Oliveira. Votaram contrários ao parecer os Vereadores: Antônio Gilmar de Oliveira, Fernando Medeiros Pereira, Flávio Alves Sousa, Jeferson Freitas, Marcos Costa, Ricardo Dias, Rogério Filho, Rodrigo Xavier Cardoso, Silvio Romero. Em seguida o Vereador Rogério Filho solicitou que constasse em Ata sua justificativa de voto, que segue: O presente parecer visa analisar a recusa em apreciar o Projeto de Lei nº 29/2022, de autoria do Poder Executivo do Município de Cataguases/MG, vez que o Excelentíssimo Presidente da Câmara Municipal de Cataguases se negou a recebê-lo, com fundamento no art.175, §2º, do Regimento Interno da Câmara Municipal desta mesma cidade, in verbis: Art.175. A Câmara Municipal exerce sua função legislativa por meio de: […] §2º – Vedada a apresentação de proposições de matérias que se encontrem sub judice. Inicialmente, imperioso destacar que no Brasil fora adotado o sistema tripartite de Poder, dividido entre Legislativo, Executivo e Judiciário, que atuam de forma independente e harmônica entre si, conforme a Carta Magna brasileira dispõe em seu art.2º. Nesta toada, uma norma regimental, como o citado §2º do art.175, acaba por tolher a independência entre estes Poderes, criando uma espécie de “amarra” do Legislativo frente ao Judiciário, que se vê impossibilitado de deliberar sobre determinadas matérias em razão de uma interpretação extensiva aplicada ao dispositivo, sem considerar as peculiaridades de cada caso concreto. Ainda, temos um incentivo à prática de ilícitos contratuais. No caso em espeque, há uma concessionária prestadora de serviços públicos que, comprovadamente, vem descumprindo reiteradamente o que fora acordado contratualmente com a Administração Pública. Esta, em contrapartida, visando o interesse público, entende que a encampação é a melhor forma de se resolver a questão, passando ela própria a prestar o serviço público. Porém, em razão de uma norma regimental da Câmara Municipal, interpretada atualmente sob uma ótica de aplicação irrestrita a qualquer caso, não é possível realizar a encampação intentada pelo Poder Executivo, com o apoio da maioria do Legislativo, justamente porque há processos no Poder Judiciário entre o Município, e a atual prestadora. Dessa forma, quanto mais ilícitos forem praticados pela COPASA, mais processos serão ajuizados pelo poder concedente (Município), e assim temos uma “renovação contratual” engatilhada pela impossibilidade de encampação, fruto da recusa em tramitar o PL 29/2022 fundamentada em uma norma regimental. O cenário atual consubstancia-se em premiar a atual concessionária, em razão de seu inadimplemento e má prestação dos serviços. E ao fim, temos lesado o interesse público. Ademais, a doutrina majoritária do Direito Administrativo, assim como os Tribunais Pátrios, entende que o controle judicial dos atos praticados pela Administração Pública deve, regra geral, não alcançar os atos políticos, dada a ampla discricionariedade atribuída a esta função estatal; assim como os atos interna corporis, com exceção daqueles eivados de ilegalidade. Mais uma vez temos uma contradição, visto que a norma em apreço, utilizada como embasamento para negar a tramitação da PL 29/2022, desfaz por completo este entendimento, agredindo diretamente a independência funcional entre os três poderes. Não se pode entender a ameaça de eventuais litígios judiciais como passíveis de interromperem a atuação autônoma dos Poderes Executivo e Legislativo. Outrossim, tratando de legitimidade, inegavelmente que a tramitação do referido projeto de lei torna a atuação de ambos os Poderes, Legislativo e Executivo, mais legítimas e compatíveis com o interesse público, o qual é o fim último da atuação de ambas as casas. Isto porque, atualmente, a decisão de não analisar a matéria está calcada em uma interpretação de apenas um membro da Câmara Legislativa Municipal. Na eventual hipótese de ser colocada em votação, a matéria será posta sob o crivo de diversos representantes da sociedade, o que irá conferir maior aderência acerca do deslinde do caso, no tocante às diversas camadas de cidadãos retratadas na deliberação sobre a matéria. A análise do tema em plenário é a efetivação da plena democracia. Continuando a análise dos efeitos de eventual hipótese da matéria constante na PL 29/2022 ir a plenário, esta também é a concretização em máxima potências dos dois supra princípios que devem nortear toda a atuação do aparato estatal brasileiro: a Supremacia e a Indisponibilidade do Interesse Público. Fica atrás apenas do plebiscito. A Supremacia do Interesse Público determina que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesses individuais, razão pela qual a Administração, como defensora dos interesses públicos, recebe da lei poderes especiais não extensíveis ao particulares, como a possibilidade de encampação. Já a Indisponibilidade do Interesse Público impõe aos agentes públicos estrita observância aos interesses da sociedade no exercício da função administrativa, não devendo atuar segundo sua própria vontade. Retomando ao embate “Interpretação ampliativa da norma regimental X Tramitação do PL”, conclui-se que na hipótese de ser remetido ao plenário o PL 29/2022, tem-se também uma maior concretização da Supremacia do Interesse Público, assim como da Indisponibilidade do Interesse Público. Quanto maior o número de representantes da sociedade deliberarem sobre o tema, maior a aderência ao interesse público como um todo. E isto só é possível, caso seja recebido o PL. Novamente, temos a democracia sendo exercida. Por fim, quanto à alegação de que deve ser reconhecida a caducidade do contrato firmado entre Município de Cataguases, e COPASA, alguns comentários devem ser tecidos. Como já explanado, a Administração Pública possui poderes especiais que a difere dos particulares em geral. Entre eles, relevante citar o Poder Discricionário. O legislador, ao definir como deve ser a atuação dos agentes públicos, reservou uma margem de liberdade para que estes, diante de situação concreta, possa selecionar entre as opções predefinidas qual a mais apropriada para defender o interesse público. Ou seja, o legislador delega ao destinatário da atribuição a incumbência de avaliar a melhor solução para agir diante das peculiaridades da situação concreta. Esta é a definição sobre Poder Discricionário. Importante destacar também que os conceitos jurídicos imprecisos e indeterminados empregados pelo legislador são o veículo introdutor de competências discricionárias, como o “interesse público”. Cada um dos conceitos mencionados pode adquirir significados diferentes nas leis ou diante das situações concretas. A simples referência feita pela legislação a uma dessas noções pode transformar em discricionária a competência outorgada ao administrador público. Pois bem, o conteúdo da expressão “interesse público” na presente celeuma, presente no art.37 da Lei 8987/95, que carreia a definição de encampação, autoriza ao administrador, de modo discricionário, a decidir em cada caso a conveniência de aplicação do instituto. Neste caso específico da COPASA, estudos realizados ratificam a melhora no atendimento dos serviços públicos prestados, caso a municipalidade retome a execução para si própria. Agora, atenção à redação do art.38 da mesma lei supracitada, que dispõe sobre a caducidade dos contratos de concessão: Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes. O legislador, ao redigir o texto do artigo acima, foi explícito, eloquente, cristalino, ao determinar que a caducidade será determinada apenas “A CRITÉRIO DO PODER CONCEDENTE”. Não há nenhuma passagem neste diploma normativo que imponha a adoção de uma ou outra forma, seja a obrigação de ser realizar encampação, seja a obrigação de declarar a caducidade. Da mesma forma, ao redigir o §1º deste artigo 38, o legislador adota o verbo PODERÁ, conferindo liberdade ao poder concedente para aplicar a caducidade, ou rechaça-la: § 1º A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando: No fato em exame, o Poder Executivo, dotado de seu Poder Discricionário, entende que a melhor forma de lidar com a questão é através da encampação. Por solucionar as ilegalidades contratuais que estão sendo operadas pelo atual prestador de serviços. Por conferir maior legitimidade ao ato, com o referendo do Poder Legislativo. Por atender ao interesse público. Por ser expressão da democracia para o caso. Assim, conclui-se que, a melhor decisão a ser tomada para a questão é a adoção do entendimento exarado pelo Poder Executivo em seu Recurso Administrativo 001/2022/GPC, o qual defende uma interpretação restritiva do art.175, §2º do Regimento Interno da Câmara de Vereadores, em prol da aplicação escorreita da norma, e seus efeitos concretos para a sociedade.”
Fonte: Jornal Cataguases 25set22