Pessoas com doenças graves têm direito a benefícios; veja quais são e como obtê-los.

Pessoas com doenças graves têm direito a benefícios; veja quais são e como obtê-los.

Todas as pessoas acometidas por doenças que a deixem incapacitadas para o trabalho e que tenham contribuído ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no mínimo, pelo período de 12 meses, têm direito de receber um benefício previdenciário mensalmente, inclusive, o 13º salário. São eles: auxílio por incapacidade temporária (mais conhecido como auxílio-doença) e auxílio por incapacidade permanente (conhecido como aposentadoria por invalidez).

“Pessoas acometidas por doenças graves, como o câncer, não precisam comprovar a contribuição mínima de 12 meses– que é o que chamamos de carência, mas, deverão comprovar, além da doença incapacitante, que contribuíram no último ano antes de adoecer”, explica a advogada previdenciarista, Lísia Daniella Ferro.
O valor é calculado a partir da média das últimas 12 contribuições feitas pelo beneficiário, sendo que o menor valor do benefício será o salário mínimo vigente e o valor máximo deverá respeitar o teto do INSS que, atualmente, equivale a R$ 7.087,22.

“As pessoas que começaram a trabalhar, mas que ainda não somaram um ano de contribuição, terão esse histórico considerado, mas, provavelmente, ficarão limitadas a receber um salário-mínimo por conta do cálculo. Ninguém recebe menos que isso”, afirma Ivandick Rodrigues, advogado e professor de direito trabalhista e previdenciário da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Já em relação ao tempo, o benefício deverá ser concedido enquanto durar a incapacidade de trabalho para as concessões temporárias. Mas em eventos de concessão por incapacidade permanente, este deverá ser reavaliado pelo INSS a cada 2 anos para comprovar a continuidade da invalidez.

Por outro lado, se a pessoa se recuperar e tiver capacidade de voltar ao trabalho, mas seguir recebendo o benefício, o INSS tem direito de processar esse paciente e requerer seu dinheiro de volta, pago em período indevido.

Em casos específicos de doenças graves, há a inserção de algumas doenças raras incapacitantes, que também dão direito à isenção de carência na concessão dos benefícios previdenciários. Contudo, se solicitado ao INSS e for negado, o benefício poderá ser obtido mediante processo judicial, assim como outros direitos que esses pacientes têm, como o custeio de medicações e alimentação diferenciada.
Quais doenças são isentas de carência?
O professor de direito trabalhista e previdenciário da Universidade Presbiteriana Mackenzie explica que a carência funciona como uma espécie de investimento. Por isso, as pessoas não podem solicitar o benefício com uma doença pré-existente.
“A concessão do benefício está condicionada a uma avaliação médica, então, essas pessoas, necessariamente vão passar pela perícia. Não é só porque foi dado o diagnóstico que a perícia se torna dispensável, ao contrário, ela é fundamental”, ressalta o professor.

No entanto, há um rol de doenças graves que dispensam o período de carência. Elas são respaldadas por lei, cujo decreto é conhecido como regulamento da previdência social e são atualizados de tempos em tempos.
Atualmente, essas doenças graves são:

Tuberculose ativa;
Hanseníase;
Alienação mental;
Esclerose múltipla;
Hepatopatia grave;
Neoplasia maligna (cânceres);
Cegueira;
Paralisia irreversível e incapacitante;
Cardiopatia grave;
Doença de Parkinson;
Espondiloartrose anquilosante;
Nefropatia grave;
Estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante);
Síndrome da imunodeficiência adquirida (aids); ou
Contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.
Essa lista, porém, é apenas um exemplo básico do que não pode ser desconsiderado pelo INSS, tanto que o Ministério da Saúde e do Trabalho e Previdência podem acrescentar outras doenças.

Ferro conta que já existem decisões dos tribunais de Justiça brasileiros que admitem que essa lista tem caráter exemplificativo. “Ou seja, outras doenças, se demonstrado o grau de gravidade, podem dar direito à isenção da carência, mas precisarão de decisão judicial para condenar o INSS a pagar o benefício”, diz a advogada previdenciarista.
Vale ressaltar também que o direito é das pessoas portadoras de enfermidades que estão incapacitadas de trabalhar. Isso significa que a doença, por si só, não dá direito ao benefício, mas sim a doença incapacitante.

E esse mesmo decreto da lei 3.048 ressalta que, somente em casos de aposentadoria por invalidez (como pessoas que ficaram tetraplégicas, por exemplo), pode haver um adicional de até 25% do benefício pago pelo INSS. “Mas aqui estamos falando de pessoas que estavam trabalhando, que contribuíram por um período significativo e ficaram absolutamente incapacitadas de exercer um trabalho”, comenta Rodrigues.
Mesmo sem contribuir há possibilidade de benefício
Por outro lado, pessoas que não contribuíram com o INSS, como crianças ou trabalhadores informais, mas que comprovem a existência de impedimento de longo prazo, isto é, de doenças que as incapacitem por no mínimo 2 anos, e que pertençam a uma família de baixa renda, que ganha menos de 1/4 de salário mínimo per capita (salvo raras exceções), podem obter um Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de 1 salário mínimo por mês, sem direito a 13º salário.

“Além da questão da doença, normalmente, a pessoa terá que comprovar a impossibilidade de contribuir junto ao INSS e, consequentemente, pleitear algum benefício junto a assistência”, diz o professor universitário.
Esse benefício, popularmente chamado de benefício assistencial, é garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de número 8.742, estabelecida em 1993, no artigo 20.

Ele foi solicitado pela professora Simone Guedes Inácio, 49, em 2017, quando seu filho, Kauã Henrique, na época com 7 anos, foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer que se origina no sistema linfático – uma parte do sistema imunológico, de defesa do organismo. Entretanto, não foi fácil conseguir.
“Eu só descobri que ele tinha direito a esse benefício depois de uns quatro meses que já estávamos na casa de apoio, porque uma das mães comentou que recebia. Mas nem a assistente social do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc) comentou que ele tinha algum direito. Até então, eu só sabia que tinha direito de receber pessoas idosas, mesmo que elas não tivessem contribuído com o INSS”, relata Simone.

Na época, foi um alívio saber que ele também poderia receber, já que a mãe havia deixado o restante da família, casa e trabalho em São Vicente (SP), para acompanhar o filho durante o tratamento em uma casa de apoio em São Paulo, capital.

“Eu dei entrada em 2017 e consegui o benefício em 2018. Eu levei um relatório médico com a doença bem especificada e quais medicamentos ele estava usando, mas demorou um pouco, porque antes mesmo de ele ter passado na perícia, o benefício foi negado”, conta a mãe.
Frente a essa situação, Simone não se conformou e buscou ajuda no conselho tutelar de sua cidade. A conselheira, por sua vez, emitiu um ofício que foi entregue diretamente à assistente social do INSS, que recebeu a documentação e, depois de pouco mais de um mês, foi agendada a perícia médica.

“E foi a partir daí que nós passamos a receber o benefício assistencial. Mas eu tenho uma amiga que precisou entrar na Justiça e até hoje não recebeu, e isso já faz 4 anos. E muitas outras também não receberam”, desabafa a professora, afirmando que mesmo a mãe tendo que se dedicar 100% ao filho doente e não podendo trabalhar, muitas vezes, o benefício é negado para as crianças.

O INSS foi contatado diversas vezes para elucidar quantas pessoas receberam algum benefício previdenciário ou assistencial desde 2020, mas não tivemos retorno até a publicação dessa reportagem.
“Eu vejo o benefício assistencial com bons olhos quando a criança consegue, porque é muita burocracia e humilhação a família ter que ficar correndo atrás de uma coisa que está na lei. E a população, infelizmente, não é informada de tudo que nós temos direito”, avalia a mãe, dizendo que, atualmente, o Kauã está em remissão da doença, mas continua recebendo o benefício, porque ainda não recebeu alta médica.

“Em regra, só 1 pessoa da família pode receber o benefício assistencial por família. No entanto, se houver mais de uma pessoa idosa ou deficiente que tenha direito ao benefício assistencial, poderá haver mais de 1 benefício no mesmo grupo familiar”, esclarece Ferro.

Para ficar claro: existem dois mecanismos do Estado diferentes. Um deles é a previdência social que está prevista na constituição, é contributiva e pensada para quem contribui junto ao INSS; o outro é a Lei de Assistência Social– definida justamente para pessoas excluídas do INSS.
“Mas se a pessoa começa a trabalhar registrado, ela perde esse direito, porque demonstra que a doença não gera mais impedimento para o trabalho”, explica Rodrigues.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese